sábado, 27 - julho - 2024

Banho com gordura? Pode isso?

Sair do banho e sentir os pés grudando no chão. Lavar um copo e observar uma camada de gordura no vidro. Situações estranhas e desagradáveis, porém comuns em Rio Preto. E pensar que acontecem justamente na cidade em que o orgulho e o senso de proteção do povo pelo Rio Preto fez da cidade uma exceção. Rio Preto é exemplo em conservação da natureza nesse Vale do Jequitinhonha tão massacrado pelo garimpo, no passado, ou pelo manejo inadequado na agricultura ou pecuária, até os dias de hoje.

Triste ver o sentimento de devoção pela água se transformando em frustração. Moradores fazem abaixo assinado, desabafam nas redes sociais e até uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Vereadores, em 2013, tratou de problemas no abastecimento de água. Mas até hoje, quando vem a chuva forte, já se sabe que, qualquer dia, vem gordura por aí…

Como o problema da água engordurada tem ocorrido principalmente após as chuvas, uma hipótese levantada por moradores é de que o aumento da matéria orgânica trazida até o rio poderia ser a causa. Mas ninguém consegue dar certeza.

 

A água do Rio Preto é tratada pela empresa Copanor, ligada à Copasa

 

Irani Cassiano é uma das moradoras de Rio Preto que colocou a boca no trombone pelas redes sociais. Em fevereiro deste ano ela postou seu desabafo, que foi seguido de dezenas de comentários reforçando a gravidade da situação.

 

 

Irani diz que não chegou a fazer reclamação formal junto à Copanor e ainda hoje considera a qualidade da água ruim. “Eu estou até comprando água, para você ver o absurdo…”, reclama.

Já a moradora Angella Aparecida Campos conta que, além de ter postado suas reclamações nas redes sociais, também registrou, em 15 de dezembro de 2017, uma reclamação no site da Arsae (Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário de MG). Mas informa que não houve reposta.

 

 

Procurada pela reportagem, a Arsae informou que não localizou reclamações em seu sistema: “não detectamos nenhuma manifestação sobre qualidade da água oriunda do município de São Gonçalo do Rio Preto. (…) A Arsae-MG não tem informações a respeito das reclamações referentes a aspectos de oleosidade na água do município em questão. Desde o início das operações da Arsae, em 2011, nunca foi registrada uma reclamação com tal aspecto”, respondeu a agência. A Arsae-MG diz que realiza as fiscalizações conforme demanda, mas admite que sua atuação é limitada: “Devido ao elevado número de municípios regulados pela Arsae, infelizmente não é possível estar presente em todos os municípios. Ainda assim, todas as demandas são respondidas, podendo ou não gerar visitas in loco”, informou à nossa reportagem.

Angella se mostra frustrada com a situação: “Fui olhar a caixa d’água e estava com algo que parecia sal no fundo. E tinha muita gordura”. A moradora também conta que chegou a promover um abaixo-assinado, mas conseguiu apenas 10 assinaturas. “Infelizmente o povo fala, mas não toma atitude”, lamentou.

 

A moradora Angella diz que reclamou junto à Arsea em dezembro, mas não teve resposta

 

Causa espanto verificar que, mesmo com todo o clima de insatisfação que predomina entre os moradores, nos relatórios internos da Copanor, apenas duas reclamações de clientes de Rio Preto foram registradas no primeiro semestre deste ano, ambas em março.

 

Um caso para ser estudado, diz professor

O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutor em Hidráulica e Saneamento pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Universidade de Alberta no Canadá, Marcelo Libânio, se assustou ao ouvir a história. “Nunca vi isso. Fiquei até curioso. É algo para ser estudado”, disse o especialista, em entrevista ao Portal Nosso Rio Preto.

Segundo o engenheiro, o método aplicado no tratamento da água em Rio Preto – com cloro, sulfato de alumínio e hidróxido de sódio – está adequado. “Em princípio, o uso desses produtos está correto. O que não quer dizer que as dosagens estejam adequadas. Seria preciso analisar. No tratamento de água, não há grandes diferenciais tecnológicos. O processo é relativamente simples. A questão é como se faz a operação”, explica.

De acordo com a prefeitura de Rio Preto, o serviço da Copanor já foi muito pior e melhorou nos últimos meses. O prefeito João Dumont esteve na sede da empresa em Diamantina no início deste ano para reclamar sobre a água engordurada. Ele contou que foi bem recebido, mas não tem protocolo de atendimento nem lhe foi dado um prazo para solução do problema. “Até hoje não tive um retorno formal. De qualquer maneira, o problema da gordura não ocorreu de novo”, disse João. “Mas também não voltamos a ter chuva tão forte”, acrescentou a secretária de Administração do município, Daniela Oliveira.

A causa disso poderia ser esgoto ou material vindo de alguma fazenda na região? O professor Libânio, que já esteve no Parque Estadual do Rio Preto, considera remota a possibilidade de algum produto estar sendo lançado nas águas do rio. “Como é uma região protegida pela reserva ambiental, é difícil pensar em lançamento de esgoto a montante (acima da área de coleta da água)”, comentou.

 

Problema no tratamento da água? Veja o que diz a Copanor

A Copanor sabe do problema da gordura, mas até hoje não demonstrou o empenho necessário para entender o que provoca isso e tomar as medidas de correção. A empresa diz que não existe uma comprovação técnica da relação entre o tratamento adotado e o aspecto de gordura na água. “(…) a situação pontual após a chuva deve ser analisada para buscar uma mitigação”, respondeu a Copanor à nossa reportagem.

Adicionalmente, a Copanor informou que “está sendo preparado um plano de coleta e análise nesse período (das chuvas) para coleta de evidências e identificação da causa para tratamento”. No entanto, não informou prazo para a conclusão dessa análise.

 

Luz no fim do túnel?

Se a situação ocorre há bastante tempo, porque ainda não foi possível identificar as causas e corrigir? Enquanto a pergunta segue sem resposta, na base da tentativa e erro, pode ser que o problema seja minimizado com a instalação de novos equipamentos, conforme explicou o funcionário da Copanor e morador de Rio Preto Adilson Pires de Araújo. Na Estação de Tratamento da Água (ETA), na estrada do Alecrim, estão em fase de teste dois dispositivos novos: um coletor de amostras e um foto-sensor de partículas. Adilson, que também é conhecido como Cícero, explicou que, com os equipamentos, poderá ser possível analisar a turbidez da água e desligar a bomba automaticamente, evitando que a água suja se misture à água limpa já captada.

 

Equipamentos que estão em fase de teste poderão reduzir problemas

 

Adilson trabalha na Copanor há 4 anos e conhece bem todas as etapas do processo de tratamento e distribuição da água. Ele reforçou que tudo é feito dentro dos padrões. “A qualidade da água é testada diariamente em dois pontos diferentes da cidade, pelo pessoal da Vigilância Sanitária, vinculada à Secretaria de Saúde do Município”, explica. “Também fazemos uma vez por semana o teste bacteriológico”, informou.

Assista à explicação:

 

O que intriga é que, aparentemente, está tudo correto. Pelo site da Copanor é possível gerar relatórios sobre a qualidade da água. O resultado indica que não foram registrados problemas no último ano, conforme mostra a imagem abaixo:

 

 

Afinal, de quem é a culpa?

Melhor do que falar de culpa, é falar de responsabilidades. Conforme previsto “Contrato de Programa” – assinado em 2009 pela prefeitura, pelo governo do Estado e pela Copasa para a prestação dos serviços de abastecimento da água e do esgoto na sede do município e no Alecrim, Foca e Santo Antônio – cabe à Copanor prestar o serviço com qualidade.

Outro documento de 2008, o “Convênio de Cooperação”, firmado entre o município e o estado com vigência de 30 anos, define que cabe à prefeitura “verificar se a qualidade dos serviços prestados está adequada aos padrões estabelecidos (…) apontando, se for o caso, as falhas, e indicando as possíveis soluções…”.

O cidadão, por sua vez, tem o direito a receber água tratada de forma contínua. E deve, além de garantir o uso racional da água, pagar sua conta em dia.

A secretária de Administração do município, Daniela Oliveira, destaca que cada usuário também deve ser um fiscal na prestação do serviço. Pode e deve registrar reclamações e acompanhar seus desdobramentos até que o problema seja sanado. Isso deve ser feito por meio dos canais formais, com registro de protocolo de atendimento.

À Arsae-MG cabe a supervisão, controle e avaliação dos serviços de abastecimento de água e esgoto em todo o estado.

 

O que você deve fazer quando tiver um problema?

O usuário deve reclamar formalmente, com registro da data e protocolo de atendimento, sempre que tiver um problema na qualidade da água ou no serviço prestado: falta d’água, vazamento, problema na conta etc. Para as autoridades, se você deixa de registrar seu problema, é como se ele não existisse.

As reclamações devem ser realizadas através do telefone 0800-0300 005, que é o serviço de atendimento ao consumidor da Copanor. Em caso de não resolução, o usuário deve entrar em contato com a Ouvidoria, pelo site www.copanor.com.br, no botão “Relacionamento”. Pelo site, também é possível consultar a resposta às manifestações. Para isso, é preciso ter o número do processo e a senha de acesso.

Se o problema persistir, daí então o usuário deve entrar em contato com a Ouvidoria da ARSAE-MG pelo site da agência (www.arsae.mg.gov.br) ou pelo telefone 0800-0319293, tendo em mãos os registros/protocolos das reclamações realizadas anteriormente junto à Copanor.

A prefeitura também deve ser formalmente acionada pelos moradores. A secretária de Administração, Daniela Oliveira, explica que os cidadãos podem fazer um ofício por escrito (com data e registro da entrega na prefeitura) ou podem enviar uma mensagem eletrônica à secretaria municipal. “É dever da prefeitura escutar os problemas e tomar as medidas para resolver. No site da prefeitura estão disponíveis os e-mails de todas as secretarias. Então recomendamos que as pessoas utilizem sempre que necessário, já que fica registrado ali todo o histórico. E quem não tiver acesso à internet, também pode nos procurar pessoalmente. Nesse caso, o ideal é entregar um requerimento por escrito”, orienta.

Você pode enviar e-mail para gabinete@saogoncalodoriopreto.mg.gov.br, nas questões relativas à água, por exemplo, ou verificar no site www.saogoncalodoriopreto.mg.gov.br o endereço eletrônico da secretaria municipal responsável pelo assunto que você quer tratar.

Atenção! É sempre fundamental ter o registro da sua reclamação. Peça sempre um protocolo de atendimento. Sem isso a reclamação não será registrada e não será possível acompanhar os desdobramentos.

 

Saúde em primeiro lugar

Com a frustração em relação à qualidade da água associada ao pagamento de uma conta mensal, não é raro ouvir de moradores que “antes era melhor”.  No entanto, é importante considerar que o consumo da água “bruta”, sem tratamento, gera um problema grave associado à saúde da população.

Mesmo com a necessidade de se investigar as causas de a água apresentar aspectos de gordura, o professor Marcelo Libânio enfatizou que toda água captada precisa ser filtrada e desinfetada antes de ser distribuída à população. “Isso é fundamental para evitar as doenças de veiculação hídrica, como a amebíase, ascaridíase (lombriga), gastroenterite, cólera e outras”, explicou.

Para saber mais, visite: http://www.copasa.com.br/media2/PesquisaEscolar/COPASA_Doenças.pdf

O prefeito João Dumont também destacou a importância do tratamento da água para evitar doenças. A secretaria municipal de Saúde, no entanto, não forneceu à reportagem dados sobre a incidência de casos de diarreia antes e depois da implantação do sistema pela Copanor.

 

Para entender o tratamento da água em Rio Preto

  • A água é coletada do Rio Preto, na estação localizada na estrada do Alecrim, numa vazão de 6,28 litros por segundo.
  • Na estação, a água é tratada com a adição de três produtos básicos: cloro (para desinfecção), sultafo de alumínio (para aglomerar as partículas sólidas, facilitando a separação) e hidróxido de sódio (para regularizar o nível de acidez da água).
  • No processo também é utilizado filtro com areia e carvão mineral, que funciona como barreira para partículas e poluentes químicos, como os metais.
  • Após o tratamento, uma bomba impulsiona a água até os três reservatórios da cidade, localizados na entrada da cidade (capacidade de 50 m3), no bairro da Caixa D`água (capacidade de 360 m3) e no coreto (capacidade de 40m3).
  • Por meio da rede de distribuição, que tem 80% de sua tubulação em PVC e outros 20% em ferro (tubulação antiga), a água chega a mais de 1.000 residências.
  • A qualidade da água é monitorada na estação e, na cidade, conta com duas análises diárias, realizadas pela Vigilância Sanitária, no hospital e na escola estadual.

 

 

Você conhece a Copanor?

Empresa ligada à Copasa, a Copanor foi criada em 2007 para atender municípios de até 5000 habitantes no semi-árido mineiro, com a premissa de cobrar exclusivamente pela prestação dos serviços, sem considerar os investimentos da implantação do sistema de tratamento da água e do esgoto. A instalação dos equipamentos é custeada pelo Estado e quem é atendido pela Copanor paga cerca de metade (entre 63% e 47% a menos) do que aqueles que estão na área de abrangência da Copasa, como mostra a tabela abaixo.

 

 

Na avaliação do professor Marcelo Libânio, o serviço da Copasa em Belo Horizonte é bom, mas ele explica que não tem informações suficientes para avaliar o trabalho realizado pela Copanor. “A água em Belo Horizonte é uma das melhores do mundo. Mas a Copasa ‘são muitas’. Não sei dizer se a operação da Copanor consegue ter o mesmo padrão de qualidade”, diz.

Sobre Carolina Rocha

Sou Lola, riopretana, jornalista e mãe de Elis.